Esquerda tenta mudar regra eleitoral para impedir maioria conservadora no Senado após 2026

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Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A real chance de maioria conservadora no Senado após a eleição para renovar dois terços da Casa em 2026 anima a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e preocupa governistas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa perspectiva provocou até uma reação preventiva do Palácio do Planalto, concretizada em proposta para mudar regras eleitorais.

O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, apresentou, na semana passada, um projeto de lei que visa especificamente limitar a possibilidade de uma virada de direita no Senado. O PL 4629/2024 propõe uma alteração significativa na escolha de senadores pelos eleitores nos pleitos em que estão em disputa duas das três cadeiras reservadas aos estados.

Segundo o texto de Randolfe, o Código Eleitoral seria alterado para que a votação para as duas cadeiras de senadores seja permitida para apenas um candidato, sendo então eleitos o primeiro e o segundo mais votados. O modelo atual permite que o eleitor vote em dois nomes distintos, o que, em tese, favorece a eleição de candidaturas de mesma coligação ou partido. A ideia da oposisão é lançar ao menos duas candidaturas fortes em cada estado para ficar com as duas vagas.

Na justificativa de seu projeto, o senador esquerdista argumenta que as inserções em sequência na urna de dois candidatos ao Senado facilitam a “concentração de poder em um único grupo político, prejudicando a diversidade representativa”. Ele ainda destaca que o atual contexto de forte polarização política exige mecanismos para garantir uma “representação mais plural”.

Sob o argumento de conter a polarização, projeto tem a direita como alvo principal

Para políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, embora o projeto alegue conter desvios causados pela polarização, o seu alvo está na direita, sobretudo aliados de Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente tem articulado, com antecedência, uma estratégia para lançar pares de candidatos competitivos ao Senado em 2026, visando formar uma maioria conservadora.

A partir da posse dos eleitos, em fevereiro de 2027, a nova configuração do plenário possibilitaria a eleição de um presidente do Senado alinhado à agenda da direita, viabilizando a inédita abertura de processo de impeachment contra ministros do STF, medida vista como essencial para equilibrar os poderes da República, mas sempre barrada pelos chefes do Legislativo.

O plano de Bolsonaro para eleições e reeleições de aliados para o Senado inclui o lançamento de membros de sua família, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Michelle Bolsonaro (PL-DF). Nesse sentido, o ex-presidente investe na montagem de candidaturas “combo”, com chapas para governador e senadores, para o eleitor abraçar um só campo político.

Nesse modelo, um candidato mais forte impulsionaria outro, que também pediria votos para o primeiro, consolidando os votos conservadores. É justamente o arranjo que o projeto de Randolfe busca inviabilizar.

Projeto sofre resistência no Congresso e analista vê clara manobra casuística

O projeto de Randolfe sofre resistência no Congresso, especialmente entre os parlamentares da oposição, que veem nele interferência na dinâmica eleitoral e tentativa de preservação do poder governista.

O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) condenou o projeto por evidenciar o temor de eleição recorde de senadores conservadores e do impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF, “pavimentando o caminho para a renovação da Corte a partir de 2027 e a contenção de leis autoritárias”. “Os governistas estão apavorados e a proposta é o novo plano de ação”, concluiu.

Gayer argumenta que o projeto, na prática, reduz o poder de voto do cidadão à metade e visa fragmentar a votação na direita. “É um ato de desespero absoluto e uma grande desfaçatez, com sérias consequências para a democracia”, alertou.

Oposição e governo testam candidaturas para respectivos campos ideológicos

O PL 4629/2024 agrega tensões ao cenário político, quando governo e oposição intensificam articulações para testar candidaturas nos respectivos campos ideológicos. Nomes como o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) já fazem campanha para disputar uma das próximas vagas no Senado. Outros, como a deputada Bia Kicis (PL-DF), dependem de acertos locais.

O consultor eleitoral e cientista político Paulo Kramer aponta que as séries históricas dos últimos pleitos confirmam a tendência de crescimento do voto conservador no país. Assim, o projeto de Randolfe representaria uma “nada sutil tentativa de virada de mesa”. Apesar disso, ele acredita que, mesmo aprovada, a proposta governista pode não surtir o efeito esperado.

A justificativa do projeto assume com clareza que, mesmo com o impulso conservador na votação para o Senado, o segundo mais votado na eleição seria um nome de esquerda, algo que Kramer duvida que possa ocorrer hoje na maioria dos estados. Ele lembra que outras manobras eleitorais no passado, como a regra de 1982 que exigia voto unificado no mesmo partido, acabaram favorecendo a oposição, mostrando-se um “tiro pela culatra”.

Tramitação do projeto de Randolfe encontra obstáculos técnicos e políticos

O cientista político Ismael Almeida avalia que o PL 4.629/2024 tem poucas chances de avançar devido a diversos fatores. “O caráter casuístico do projeto já impõe dificuldades naturais, sobretudo considerando o perfil dominante dos senadores atuais, de centro e centro-direita, eleitos sob o sistema vigente”, destaca. Além disso, há obstáculos de ordem técnica.

Almeida lembra que o texto deverá ser inicialmente encaminhado para a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em data indefinida. Ocorre ainda que no colegiado já tramita, há três anos, o projeto de lei complementar (PLP) 112/2021, que trata da criação de novo código eleitoral. “Por tais razões, dificilmente andará de forma autônoma”, disse.

A cada eleição a composição do Senado é alterada, alternando entre um terço e dois terços das cadeiras. No pleito de 2026, os eleitores votarão em dois senadores, pois 54 das 81 cadeiras do Senado estarão em disputa. É preciso escolher dois candidatos diferentes, pois um segundo voto no mesmo nome será anulado. Há ainda a opção de votar em branco. Por se tratar de uma eleição majoritária, não há voto em legenda para o Senado.

Fonte: Gazeta do Povo

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